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14 de novembro de 2015

'Os jornalistas de cultura sofrem discriminação', afirma ex-editora e empresária da Capital

Daiane Dal Libero, 26 anos, é jornalista, assessora 
de imprensa e empresária. (Foto:Mariane Libero)
A entrevistada de hoje do Mulheres Inspiradoras é a jornalista Daiane Dal Libero, de 26 anos. Ela é campo-grandense, feminista convicta, gosta de rock, de cozinhar e de acompanhar o cenário cultural em Mato Grosso do Sul.
Lembrando que, aqui na seção Ping-Pong, as perguntas são curtas, muitas vezes apenas vocábulos, mas a entrevistada tem a liberdade de responder o quanto quiser, como achar melhor e, de preferência, com aqueles primeiros pensamentos que vem à mente ao se deparar com a palavra. 

1-Cultura:
Hoje a cultura de Mato Grosso do Sul vive um momento muito complicado, não somente em decorrência da crise. É possível transcender isso e continuar a produzir, mas é bem mais difícil. Porém, acredito muito que boas produções acontecem aqui. Hoje, temos artistas incríveis e muitos a serem descobertos. Em termos técnicos, acho que os artistas precisam valorizar a regionalidade, mas também procurar produzir em outros segmentos mais modernos, diferentes, mais ousados e arriscados. Mas gosto muito da cultura daqui. Outra coisa é que não podemos mais discriminar a cultura que não gostamos, como cultura pop, geek, e qualquer outro segmento. Rap é cultura, hip hop também. Acredito que cultura é tudo aquilo que envolve algum nível de arte e é produzido por um ser humano, ciente de suas limitações, com muito teor imaginativo e criativo. 

2-Os incentivos públicos:
Fiquei sabendo há poucos dias que um grupo de teatro fechou as portas e outro está prestes a perder sua sede. Os incentivos públicos foram extinguidos pela máquina da prefeitura da Capital, simplesmente o 1% da cultura, uma luta dos artistas desde muitos anos, foi ignorado, e o edital do Fmic (Fundo de Investimentos Culturais) de 2014 não foi pago. Isso é triste demais. É claro que não se pode depender desses incentivos, mas em um Brasil onde cultura é discriminada e deixada de lado, eles são muito importantes e são responsáveis pela sobrevivência de inúmeros projetos. 

3-Artistas de MS:
Eu fui uma adolescente que gostava de músicas em inglês. Ou seja, pouco sabia sobre música local, regional. Gostava de Chico Buarque mas ignorava Tetê Espíndola. Aprendi a admirar, não só na música, como em outros segmentos como teatro, dança. Os artistas de MS, um lugar totalmente fora do eixo, são muito competentes. Uma das minhas artistas de MS preferidas é a cancioneira e violonista Helena Meirelles, por sua importância, seu talento e sua história de vida. 

4-Relação jornalista X artista:
Trabalhar com jornalismo cultural muitas vezes é um terreno complicado e delicado, pois ao mesmo tempo que esse artista, essa fonte, quer dar uma entrevista para você sobre um projeto, ele tem a própria vaidade e não quer ser criticado. E o jornalista cultural tem aval de criticar, pois ele é um formador de opinião ciente do que faz. É preciso elogiar, mas é preciso respeito de ambos os lados. Já me deparei com artistas que não aceitaram críticas de jornalistas locais simplesmente por serem de veículos locais. Os jornalistas de cultura sofrem discriminação sim, é uma relação delicada e precisa haver respeito. De resto, colaboração mútua. 

5-Chefiar:
Chefiar uma equipe foi algo que caiu no meu colo, bem sem querer. Eu era repórter e acabei tendo que lidar com um cargo acima do meu. Acho que fiz o meu melhor. Não acredito que todo editor/jornalista de redação tenha que massacrar o repórter pra tirar dele o melhor. Acredito em respeito e profissionalismo, e que pessoas desmotivadas não trabalham bem. Sempre tentei andar na linha nesse sentido, não ultrapassar a fronteira do respeito. E de resto, a autonomia da chefia me encantou muito, pois sou uma pessoa cheia de ímpeto e que não gosta muito de fazer sempre a mesma coisa. 

6-A luta contra o machismo:
Ser mulher é lutar contra uma série de comportamentos que são impingidos a você desde o momento do seu nascimento, simplesmente por você ser mulher. Temos que desconstruir conceitos muito destrutivos em nosso dia-a-dia, como mulheres também. Acredito muito em tentar ser uma mulher melhor, que não discrimina outras, que dá apoio a outras mulheres. Acredito nesse empoderamento, nessa sororidade, que é o nome disso. Lutar contra o machismo é lutar todos os dias. 

7-Ser feminista:
Eu me libertei quando descobri que, tudo aquilo que eu acreditava, sem saber, eram preceitos do movimento feminista, que luta por um mundo igual para homens e mulheres. Ser feminista é ver uma moça sendo seguida numa rua escura por um homem e oferecer carona a ela, mesmo sem conhecê-la, para afastar o possível abusador. Ser feminista é fazer um escândalo quando vê um homem abusando de uma moça no ônibus. Ser feminista é dizer "não" para um relacionamento abusivo. É não aceitar que a sociedade me imponha nada, é dizer sim para a descriminalização do aborto, pois o corpo da mulher é só dela. É defender a escolha de cada mulher. Ser feminista é respeitar a mulher e querer o mesmo respeito para si. Eu sou feminista e tento desconstruir em mim mesma os medos que me foram impostos. De que meu corpo é errado por não ser um padrão, de que eu não posso ser livre na minha sexualidade. Tudo isso é uma desconstrução diária, e não é fácil. Mas a gente segue tentando, sempre. O tempo vai passar e as mulheres vão ser plenas, tenho muita fé nisso. 

8-Uma referência:
Minha mãe. Criou suas três filhas na raça, viveu a infância em um lar difícil, sempre fez as coisas sem medo de errar. Ama os animais, e nos ensinou a amar também. Tenho muito orgulho de tudo que ela ensinou a mim e às minhas irmãs. Pode mais uma? minha avó. Venho de um lar matriarcal. Só guerreiras. 

9-Um orgulho:
Ter saído da casa dos meus pais e ido morar sozinha. Sou uma pessoa individualista e cheia de manias e sempre idealizei essa independência. Amo minha casa. Amo o jeito que ela é. Tudo ali dentro é simples e feito à mão, e muitas coisas eu ganhei, mas amo tudo ali dentro. Outro orgulho é saber que sou uma boa profissional, que sei jornalistar e que posso dar o rumo que eu desejar pra minha carreira. Não tenho medo de mudar, e ando sempre mudando. 

10-Um desafio:
Fazer a minha agência de jornalismo e publicidade, a QUANTA Marketing, dar certo. Quero crescer como empresária, como jornalista, trazer gente bacana pra trabalhar comigo e dar as melhores condições possíveis pra esse profissional. Quero continuar trabalhando com cultura, mas sendo minha própria empregadora. Acredito que as relações de trabalho devem mudar. Quero ajudar nessa mudança através da minha agência. 

*Daiane Dal Libero, 26 anos, é jornalista, assessora de imprensa e empresária. Os trabalhos mais recentes dela foram como repórter cultural e, posteriormente, como editora do jornal o Estado MS, onde permaneceu por três anos. Ela também é sócia da agência de jornalismo e publicidade QUANTA Marketing.

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